segunda-feira, 5 de julho de 2010

A essência e a aparência

Salvador Dali

Não vivemos num mundo de verdades. A fogueira das vaidades alimenta a chama do fingimento, que, por sua vez nutre as mentes, em função da convencionado como socialmente correcto, ou, porque simplesmente não resistimos ao prazer do disfarce.

O baton encobre os lábios secos, o blush dá tonalidade à face, para ocultar umas rugas ainda susceptíveis de algum disfarce, o brilho dos tecidos ofusca o olhar dos que observam os que desfilam nos locais bem frequentados, a gravata empresta um ar respeitável ao homem que necessita ser aceite no mundo do trabalho, ou dos ambientes de glamour…

De uma maneira ou de outra todos inventamos. Fantasiamos…

A necessidade de encobrir, alterar, aparentar dá vida à segunda personagem que habita um pouco em todos nós. Se é um alter-ego, explicado pela ciência psicológica, que com maior ou menor intensidade se desenvolve connosco, ou, se é antes uma necessidade social que adquirimos, uns muito, outros pouco, através da educação, consoante o meio em que crescemos, pois será discutível, numa base académica, ou mesmo tema para uma investigação mais apurada.

Em algum momento da nossa existência metamorfoseamos… Efeito Pigmaleão!

A realidade é que o recurso ao disfarce é de facto tão ancestral quanto a humanidade, quando o homem das cavernas usava disfarces, obtido de artefactos, ou peles de animais, para rituais porventura de base mágica, apesar de poderem ter servido a sobrevivência, pela caça.

A simulação é quase um desafio, como um jogo a um só jogador de duas faces. E aplica-se em quase tudo, desde a maquilhagem, pela caracterização, à escrita, pelo recurso aos heterónimos e pseudónimos, à produção de imagem e som, na magia do cinema, personalizado pelos actores, ao mundo da Web, nas salas de chat, ou no second live.

Os subterfúgios têm sido o encanto que nos dá asas para voar, libertação do real, refúgio da dor, o mito cresce com os nossos sonhos, preenche-nos a mente, inebria o lado obscuro da dureza que a vida nos impõe, mas que a luz da fantasia nos empresta.

Quando já não existir outro “eu” em nós, simplesmente morremos.