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“Actualmente, a mentira chama-se utilitarismo, ordem social, senso prático; disfarçou-se nestes nomes, julgando assim passar incógnita. A máscara deu-lhe prestígio, tornando-a misteriosa, e portanto, respeitada. De forma que a mentira, como ordem social, pode praticar impunemente, todos os assassinatos; como utilitarismo, todos os roubos; como senso prático, todas as tolices e loucuras. "-Teixeira de Pascoaes, século XIX
A institucionalização da mentira, desde há um século que é reconhecida como tal. Uma mentira pode ser uma declaração falsa genuína ou uma verdade selectiva, pode ainda ser uma mentira por omissão, ou mesmo verdade, se a intenção for enganar.
Se percorrermos os títulos das várias notícias dos jornais nos últimos anos encontramos nas mais diversas dimensões a anatomia da mentira, que norteia a vida social e política a nível global. Somos hoje um produto do engano, quem não aprende a "fintar" o próximo não se move em segurança, porque a segurança depende da arte de tornear, fintar e inventar.
É uma competência para o sucesso, melhor, é o treino para a excelência, que premeia os bem aventurados. A humanidade quanto mais dita civilizada, mais se delicia com a inconstância, torna-se um desfio e como auto-regulação, recorre a uma fé ou a uma crença, porque é um bem intrínseco, não se expõe, pode ser muda, porque se pode falar sem mexer os lábios, pode tornar-se invisível, porque as imagens se projectam apenas na mente.
David Hume fala sobre este assunto de um modo muito claro:"Eles valorizam a fé implícita; e disfarçam para si mesmos a sua real descrença, por meio das afirmações mais convictas e do fanatismo mais positivo."
Vejamos:
Exclusão do meio termo, ou dicotomia da falsidade? Apelo à ignorância, porque algo não provou ser falso, mesmo sendo evidente e do conhecimento de todos? Evidência suprimida?
Procura-se, de todas as maneiras, mostrar a suposta superioridade e importância em algo, pelo que se usa a mentira para fundamentar o discurso, ainda que notado pela farsa escolhida, em prol do interesse e ascensão pessoal.
Conhecer a existência desses sofismas lógicos e retóricos conduz os seus praticantes ao pináculo social, tomando qualquer caminho, desde que se atinja a finalidade.
Tom Paine, um dos defensores e signatários da Declaração da Independência em” The age of reason” afirmava já nos finais do século XVIII, obre a mentira mental, que, quando o homem corrompeu e prostituiu de tal modo a castidade de sua mente, a ponto de eleger a crença em coisas que não acredita, encontra-se então preparado para a execução de qualquer outro crime.
E é o crime, a coberto da mentira, que inunda hoje o nosso quotidiano social, não obstante os clamores das vozes moralizadoras, ou dos que anseiam pela simplicidade e justiça.
O logro da acção vence a integridade de carácter, vencem os habilidosos da falácia.