domingo, 6 de dezembro de 2009

Arquivo neural

Salvador Dali



“A memória é o espelho onde observamos os ausentes.”

Joubert

A memória passa através dos factos como um álbum. Por vezes, porém, paramos numa folha e é como se toda a vida se fixasse aí, mas quando menos se espera, está-se de novo parado noutra e projectado para trás, quase como se revivesse o evento outra vez.

A memória é intuitiva, mas a recordação é sempre reflectida, mesmo com lacunas, ainda que haja uma tendência para preenchê-las com pedaços de criatividade, pelo que, recordar pode até ser uma arte. Por isso, não é fácil a arte de recordar, visto que a recordação, no momento em que é revelada pelo acto de pensar, pode alterar-se, enquanto a memória se limita a pairar entre a lembrança nítida e a lembrança distorcida

.Como é a saudade, que se gera simplesmente pelo facto de se estar ausente de algo, ou alguém agradável para os sentidos e emoções. Na saudade vem, de um modo incisivo à recordação, algo que está presente na memória recente, mas que lentamente se vai "fantasmagorizando" e então, resta viver uma ilusão, onde o crepúsculo é duradouro, e não se faz dia….

Mas é mais difícil afastar a má recordação em benefício da boa memória, por esta estar condicionada por uma memória negativa, de pesadelo insistente, que corrói a alma e detrói o corpo, pode até matar!

É por isso que a memória é como o ventre da alma, em que a alegria e a tristeza são o seu alimento, doce ou amargo.

Os escritos e as imagens deixadas são património do silêncio e a memória é um arquivo que aguarda uma provação da paciência. Hibernam, por assim dizer, nalgum circuito da memória e um dia enchem-se de nitidez, como se acabassem de ser iluminados, ainda que nem sempre fiéis à realidade vivida, mas provocando um renascimento intenso, ainda que criativo.

É do alento das recordações agradáveis, que os velhos alimentam os seus dias, conseguindo a proeza de seleccionar os componentes doces para preencherem as horas silenciosas, que compõe o resto das suas vidas, que perderam a efusividade da juventude. É por essas memórias aprazíveis que choram, não pelos traumas vividos, porque escolheram esquecê-los, ao apagá-los da lembrança, por não terem mais esperança…